Ilustração do Tiago Silva para o Jornal Correio do Cidadão |
Decidimos adotar um cachorro. Quer dizer, meus filhos
decidiram e me convenceram disso. Foi-se o tempo em que quando a mãe dizia
“não” era “não”. Agora quando ela diz não, na verdade ela está dizendo “filhinhos
queridos, usem argumentos fortes para me convencer do contrário”. O problema é
que, em determinadas situações, um biquinho e um por favor com as mãozinhas
juntas já é suficiente para nos fazer mudar de ideia.
Mas não pensem que foi fácil conseguirem minha autorização
para trazerem um cachorro para casa. Fiz uma série de chantagens com eles.
Aliás, chantagem não. Mãe não faz chantagem, mãe faz negociações. Estabelecemos
um acordo pré-adoção. Eles teriam de fazer umas tarefinhas em casa, entre elas,
limpar a sujeira do animal. Outra coisa, descontaria da mesada deles (que já
não é grandes coisas) o valor que eu gastaria com ração. Na hora do acordo,
tudo parecia tão simples. Concordaram sem pestanejar. Como num casamento em que
os casais nem ouvem direito o que o padre está dizendo e vão respondendo “sim”.
Ou como naqueles contratos online em que clicamos logo lá no “aceito” sem
termos lido uma linha sequer do documento. Agora, que já estão com o cachorro,
preciso lembrá-los do nosso acordo todo santo dia.
Adotamos o cachorro. Não sei se adotar é a palavra certa,
mas tudo bem. O nome dele é Abner. Ele é uma
graça (nunca imaginei que fosse dizer isso!). Super tranquilo! Tranquilo até
demais. Como cão de guarda ele já foi reprovado. Apesar do tamanho, ele é que
se assusta se o ladrão aparecer. A escolha do Abner não foi por acaso. Minha
amiga teve de doá-lo depois de algum tempo cuidando dele com todo carinho. Na
casa dela a coisa estava complicada. Ou ela arrumava um novo lar para o
cachorro, ou o marido é que teria de arrumar outro cantinho. Sorte que meus
filhos conheceram o Abner a tempo de salvar o casamento dela.
Depois de uma semana com o Abner, estava tentando descobrir
para que mais servem os cachorros, além de fazer bagunça e sugar as energias
dos meus filhos que ficam correndo atrás dele sem motivo. Sozinha, numa noite
fria de véspera de feriado, enviei uma mensagem reclamando para o meu namorado
que todos tinham me abandonado naquele dia. Ele me respondeu de forma bem
direta: “não, você está com o cão”. Senti uma pitada de ciúmes nessa resposta,
como se em algum momento eu tivesse dado mais atenção para o cachorro do que
para ele. Mas ele tinha razão, o Abner era único que me fazia companhia. Fui
até onde o dog estava, olhei para ele
e disse “que bom, pelo menos você está aqui!”. Ele me olhou com um olhar
irônico, como se dissesse “e eu por
acaso tenho outra escolha?”. Fiquei conversando com ele por algum tempo, embora
ele não me desse sinais de que estava achando o papo interessante. Mas pelo
menos ele me ouvia. E como os cachorros são atenciosos! Não me interrompeu
nenhum instante. Não discordou de mim em nada. Um verdadeiro gentleman! Deixou que eu contasse meus
problemas, dissesse como foi o meu dia, falasse mal do chefe, xingasse o
prefeito e a presidenta. Nossa conversa foi longe e ele ficou atento o tempo
todo.
Sempre ouvi dizer que cachorros são boas companhias, mas
achava que era coisa de gente carente, que não suporta ficar sozinha em casa
sem ter ninguém para conversar. Agora tenho certeza - das duas coisas!
eu adoro cães e você vai adorar também. Embora eu só tenha gatos, mas gostaria de viver com mais bichos. Delicado o texto, muito legal!
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