domingo, 13 de maio de 2012

A matriarca da Família Buscapé


Uma singela homenagem à minha mãezinha. (espero que ela nunca leia)


Ela acorda sempre cedo. Diz que desde pequena foi assim.  Por mais que quisesse dormir, tinha de pular da cama antes do sol nascer para fazer fogo no velho fogão de barro. E ai se resolvesse desobedecer! Pai e mãe, naquela época, não perdoavam desobediência de filho. Ela não se cansa de repetir isso.
Como acostumou a acordar cedo, até hoje pensa que é uma afronta os filhos folgados ficarem na cama até o meio dia. Quando estávamos todos em casa, em pleno domingo, único dia da semana que podíamos dormir mais, ela acordava e ligava o radião caixa-de-abelha em volume máximo, abria as janelas e fazia questão de fazer bastante barulho ao lavar a louça ou preparar o café. E cantava, cantava... porque estava feliz ou porque estava irritada. Eu nunca soube. Acordava não apenas os filhos, mas a vizinhança toda!
Éramos seis. Como no livro da Maria José Dupré, ou na novelinha do SBT, se preferirem. Ainda somos, felizmente. Só que um pouco distantes um dos outros. Sim, seis irmãos. Quando dizia isso no colégio me perguntavam se eu era a caçula. Eu respondia que era a mais velha e aí eles me olhavam com cara de espanto, como se eu tivesse vindo da Idade Média, e sempre faziam aquela perguntinha sem graça: “seus pais não tinham televisão em casa não?”. Não adiantaria explicar que televisão demorou a chegar porque lá no sítio não tinha energia elétrica.
Quando abandonamos o sítio e mudamos para a “cidade grande” recebemos o apelido carinhoso de Família Buscapé. E não foi por causa do dinheiro do petróleo! Foi nessa época que a televisão deu o ar da sua graça lá em casa. E já existiam cinco dos seis.  Apesar da presença da televisão, meus pais ainda tiveram tempo para fazer mais um.
Em casa, era sempre a matriarca da Família Buscapé que falava mais alto. Literalmente. Tão alto que fiquei traumatizada e aprendi a falar baixinho. Vivia gritando conosco, mas quando ia falar de nós para outras pessoas, erámos os filhos mais inteligentes, mais bonitos, só não dizia que éramos os mais preguiçosos também. Seu estado de espírito era uma coisa que mudava constantemente. Ora ela estava sorrindo, cantando, assoviando... ora reclamando da vida. E como reclamava! Era a dor na coluna, a casa bagunçada, o comodismo do esposo ou a ausência dos filhos. Um dia cheguei a pensar que ela criava problemas porque não tinha com o que se preocupar. Depois de muito tempo entendi que ser mãe de seis não é tão simples assim. Acho que só fui compreender isso depois que meu filho nasceu. Parece que praga de mãe pega mesmo. Ela vivia dizendo “quando você tiver os seus filhos você vai entender”. Língua abençoada!
Às vezes nos enchia de orgulho, às vezes nos fazia passar vergonha, mas era tudo por que nos amava demais. Aquela história de que em coração de mãe sempre cabe mais um deve ser verdade. Se minha mãe tivesse um milhão de filhos acho que ainda sobraria amor. Embora ela tenha umas maneiras meio estranhas de demonstrar esse amor. Quando eu era pequena ela me batia com varinha de pessegueiro porque queria que eu fosse uma pessoa descente (prefiro acreditar que isso funcionou). Meus irmãos diriam que ficar acordada a noite toda esperando eles chegarem bêbados da balada, examinar o corpo deles e o carro para ver se ambos tem algum arranhão e depois ficar xingando o resto do final de semana também não é exatamente uma maneira das mais carinhosas de demonstrar amor.  No entanto, quem mais perderia noites e noites de sono ganhando rugas e olheiras, preocupada com os bebês que nunca crescem?  Só mesmo quem ama muito.
Ela aprendeu as duras lições da vida desde cedo e sabe que o mundo dos filhos nem sempre será cor-de-rosa. Essa senhora pode não ser a mãe perfeita dos comerciais de caldo de galinha, mas com todas as suas imperfeições, faz qualquer coisa para ter certeza de que os filhos ficarão bem. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar neste blog