Uma singela homenagem à minha mãezinha. (espero que ela nunca leia)
Ela acorda sempre cedo. Diz que
desde pequena foi assim. Por mais que quisesse
dormir, tinha de pular da cama antes do sol nascer para fazer fogo no velho
fogão de barro. E ai se resolvesse desobedecer! Pai e mãe, naquela época, não
perdoavam desobediência de filho. Ela não se cansa de repetir isso.
Como acostumou a acordar cedo,
até hoje pensa que é uma afronta os filhos folgados ficarem na cama até o meio
dia. Quando estávamos todos em casa, em pleno domingo, único dia da semana que
podíamos dormir mais, ela acordava e ligava o radião caixa-de-abelha em volume
máximo, abria as janelas e fazia questão de fazer bastante barulho ao lavar a
louça ou preparar o café. E cantava, cantava... porque estava feliz ou porque
estava irritada. Eu nunca soube. Acordava não apenas os filhos, mas a
vizinhança toda!
Éramos seis. Como no livro da
Maria José Dupré, ou na novelinha do SBT, se preferirem. Ainda somos,
felizmente. Só que um pouco distantes um dos outros. Sim, seis irmãos. Quando
dizia isso no colégio me perguntavam se eu era a caçula. Eu respondia que era a
mais velha e aí eles me olhavam com cara de espanto, como se eu tivesse vindo
da Idade Média, e sempre faziam aquela perguntinha sem graça: “seus pais não
tinham televisão em casa não?”. Não adiantaria explicar que televisão demorou a
chegar porque lá no sítio não tinha energia elétrica.
Quando abandonamos o sítio e
mudamos para a “cidade grande” recebemos o apelido carinhoso de Família
Buscapé. E não foi por causa do dinheiro do petróleo! Foi nessa época que a
televisão deu o ar da sua graça lá em casa. E já existiam cinco dos seis. Apesar da presença da televisão, meus pais
ainda tiveram tempo para fazer mais um.
Em casa, era sempre a matriarca
da Família Buscapé que falava mais alto. Literalmente. Tão alto que fiquei
traumatizada e aprendi a falar baixinho. Vivia gritando conosco, mas quando ia
falar de nós para outras pessoas, erámos os filhos mais inteligentes, mais
bonitos, só não dizia que éramos os mais preguiçosos também. Seu estado de
espírito era uma coisa que mudava constantemente. Ora ela estava sorrindo,
cantando, assoviando... ora reclamando da vida. E como reclamava! Era a dor na
coluna, a casa bagunçada, o comodismo do esposo ou a ausência dos filhos. Um
dia cheguei a pensar que ela criava problemas porque não tinha com o que se
preocupar. Depois de muito tempo entendi que ser mãe de seis não é tão simples
assim. Acho que só fui compreender isso depois que meu filho nasceu. Parece que
praga de mãe pega mesmo. Ela vivia dizendo “quando você tiver os seus filhos
você vai entender”. Língua abençoada!
Às vezes nos enchia de orgulho,
às vezes nos fazia passar vergonha, mas era tudo por que nos amava demais. Aquela
história de que em coração de mãe sempre cabe mais um deve ser verdade. Se
minha mãe tivesse um milhão de filhos acho que ainda sobraria amor. Embora ela
tenha umas maneiras meio estranhas de demonstrar esse amor. Quando eu era
pequena ela me batia com varinha de pessegueiro porque queria que eu fosse uma
pessoa descente (prefiro acreditar que isso funcionou). Meus irmãos diriam que
ficar acordada a noite toda esperando eles chegarem bêbados da balada, examinar
o corpo deles e o carro para ver se ambos tem algum arranhão e depois ficar
xingando o resto do final de semana também não é exatamente uma maneira das
mais carinhosas de demonstrar amor. No
entanto, quem mais perderia noites e noites de sono ganhando rugas e olheiras,
preocupada com os bebês que nunca crescem?
Só mesmo quem ama muito.
Ela aprendeu as duras lições da
vida desde cedo e sabe que o mundo dos filhos nem sempre será cor-de-rosa. Essa
senhora pode não ser a mãe perfeita dos comerciais de caldo de galinha, mas com
todas as suas imperfeições, faz qualquer coisa para ter certeza de que os
filhos ficarão bem.
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