segunda-feira, 28 de maio de 2012

Sopa de marmita


Início de noite com chuva e frio. No caminho de casa, vou pensando como seria bom chegar e encontrar aquela deliciosa sopa de mandioca preparada pelo meu pai. Mas, lembrei que meu estava há quinhentos quilômetros de distância e só tinha  resto de marmita do almoço em casa. Então, sem sopa.
Restos de marmita e sopa me fizeram recordar um velho e rico português que conheci um tempo atrás,numa cidadezinha do interior de São Paulo, que fazia sopa de marmita. Não se trata de uma tradicional receita portuguesa, muito pelo contrário. O Sr. Manuel (sim, ele tinha esse nome!) era milionário, mas era tão miserável que comprava uma marmita para dividir com a esposa no almoço e o que sobrava ele aproveitava no jantar para fazer sopa. Ficava horrível aquela gororoba feita de restos de feijão e arroz fervido com  água, mas eles estavam acostumados.
Por motivos óbvios, o Sr. Manuel foi apelidado de João Romão. Para quem não conhece a história de Aluízio de Azevedo, João Romão era um capitalista explorador (capitalista explorador me parece pleonasmo!) que enriqueceu a custas dos inquilinos que viviam no seu cortiço. Não que o Sr. Manuel tivesse um cortiço, ele, na verdade, era dono de quase todas as casas da cidadezinha que morava e de alguns apartamentos na capital e as casas do Sr. Manuel nem de longe pareciam o cortiço do João Romão. Mas alguns fatos na vida do dele, além dele ser português, lembravam o personagem de Aluizio de Azevedo.  Principalmente essa ânsia de enriquecer a qualquer custo. Ele não se cansava de contar que começou a vida com office boy no banco e chegou a gerente. E, lógico, acumulando bens.
O que eu achava mais estranho no estilo de vida do Sr. Manuel é que enquanto ele economizava até sabonete, a esposa e a filha faziam questão de gastar em coisas fúteis. A esposa tinha mania de comprar. Reservou um cômodo da casa para suas quinquilharias. Coisas que ela comprava e nunca usava. Comprava simplesmente pelo prazer de comprar. As vizinhas fofoqueiras diziam que ela comprava escondido do esposo, porque se ele soubesse pediria o divorcio.
Sempre me perguntava quais eram os planos do Sr. Manuel àquela altura da vida. Por que ele ainda comia sopa de marmita? Viver tão miseravelmente para deixar tudo para sua única filha torrar depois que ele morresse, talvez. Como acontece com muitos por aí. A filha era uma espécie de patricinha intocável que há mais de uma década fazia de conta que estudava para um concurso da área jurídica que nunca saia. Casou-se com um advogado que tinha um escritório chique, mas nenhum caso para resolver. Viviam dormindo, os dois. Olhava para eles e sem querer me lembrava de um verso de um poema de Drumond : “Eta vida besta, meu Deus!”. Mas havia os que tinham inveja. Não precisar trabalhar e ter dinheiro a disposição para gastar como quiser é o sonho de muita gente.
De repente me percebi  tão revoltada com minhas lembranças do Sr. Manuel e sua sopa de marmita que tive de perguntar a mim mesma por que é que me incomodava tanto esse fato. Afinal, ele fazia da vida dele o que ele quisesse! Mas minha indignação nunca me permitiu entender o porquê de algumas acharem mais importante o acúmulo de bens do que o simples prazer de comer uma sopa de mandioca.  
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sábado, 19 de maio de 2012

Um casamento e um quase funeral




Hoje em dia, com todo o aparato tecnológico usado como extensão da nossa memória, agenda de todos os tipos apitando em nossos ouvidos, nos avisando dos nossos afazeres, é difícil nos atrasarmos ou perdermos algum compromisso, certo? Errado. Todo tipo de lembrete eletrônico de nada adianta se há defeito na peça que fica em frente ao aparelho, ou, como diriam os técnicos, problema de USB (Usuário Super Burro).  Se o usuário faz confusão ao anotar os horários, os aparelhinhos não fazem milagre, ainda.
Mesmo com tantos lembretes, ainda é normal, para algumas pessoas mais desligadas, chegar atrasado a uma reunião, esquecer de buscar o filho na escola, deixar de ir a uma consulta médica,  perder o casamento de uma amiga... Perder o casamento de uma amiga? Não. Isso não é normal. A pessoa tem que ser muito desligada para conseguir essa proeza. Mas algumas conseguem.
Casamento não é como uma consulta médica que você pode ligar e marcar para outro dia. De maneira geral, as pessoas costumam casar uma única vez. Quando se casam mais de uma vez, geralmente não é com a mesma pessoa, nem na mesma igreja e a noiva não usa o mesmo vestido. Por isso fiquei muito triste, quando cheguei à igreja e dei de cara apenas com as pétalas de rosa no chão e uma senhora avisando que o casamento tinha acontecido duas horas atrás.  Depois de ter andado tanto para procurar um sapato que combinasse com o meu vestido e que ficasse bom no meu pé e no meu bolso!
Fiquei parada na escadaria da igreja em dúvida se cortaria os pulsos ali mesmo ou esperaria o  pessoal que estava comigo me enforcar. Não tinha muito o que dizer, então olhei para eles e disse “Gente, acontece!”. Claro que não acontece com todo mundo. Só comigo. Mas acontece! Estava tentando convencer a mim mesma de que não era nada assim tão grave. No outro dia falaria com a noiva e explicaria que nem olhei o convite, só anotei o horário errado porque entendi errado quando ela me disse. Simples assim!
Ela entenderia, lógico! Não. Ela não entenderia. Entrei no carro e no caminho de volta para a casa comecei a pensar como explicaria isso para ela. Pensei em dizer quetorci o pé quando estava fechando o portão (afinal estava de sapato novo!), que aconteceu um acidente na esquina quando estava saindo de casa e fiquei presa no trânsito, que meu filho teve uma crise súbita de dor de barriga, que levei um choque com o secador de cabelo... Depois de pensar em quinhentas mil desculpas, resolvi que era melhor contar a verdade.
Durante algum tempo tive de aguentar calada a gozação e a reclamação da família e dos amigos. Para ajudar, minha cunhada (tinha de ser a cunhada!) me lembrou de que ninguém mais marca casamento para às 19h30. Valeu pelo aviso!  É que fazia tanto tempo que eu não ia a um casamento que não sabia mais quais são os horários costumeiros. E, ao que tudo indica,vou continuar sem ir por um bom tempo. Acho que depois dessa, meus amigos vão excluir meu nome da lista de convidados.

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domingo, 13 de maio de 2012

A matriarca da Família Buscapé


Uma singela homenagem à minha mãezinha. (espero que ela nunca leia)


Ela acorda sempre cedo. Diz que desde pequena foi assim.  Por mais que quisesse dormir, tinha de pular da cama antes do sol nascer para fazer fogo no velho fogão de barro. E ai se resolvesse desobedecer! Pai e mãe, naquela época, não perdoavam desobediência de filho. Ela não se cansa de repetir isso.
Como acostumou a acordar cedo, até hoje pensa que é uma afronta os filhos folgados ficarem na cama até o meio dia. Quando estávamos todos em casa, em pleno domingo, único dia da semana que podíamos dormir mais, ela acordava e ligava o radião caixa-de-abelha em volume máximo, abria as janelas e fazia questão de fazer bastante barulho ao lavar a louça ou preparar o café. E cantava, cantava... porque estava feliz ou porque estava irritada. Eu nunca soube. Acordava não apenas os filhos, mas a vizinhança toda!
Éramos seis. Como no livro da Maria José Dupré, ou na novelinha do SBT, se preferirem. Ainda somos, felizmente. Só que um pouco distantes um dos outros. Sim, seis irmãos. Quando dizia isso no colégio me perguntavam se eu era a caçula. Eu respondia que era a mais velha e aí eles me olhavam com cara de espanto, como se eu tivesse vindo da Idade Média, e sempre faziam aquela perguntinha sem graça: “seus pais não tinham televisão em casa não?”. Não adiantaria explicar que televisão demorou a chegar porque lá no sítio não tinha energia elétrica.
Quando abandonamos o sítio e mudamos para a “cidade grande” recebemos o apelido carinhoso de Família Buscapé. E não foi por causa do dinheiro do petróleo! Foi nessa época que a televisão deu o ar da sua graça lá em casa. E já existiam cinco dos seis.  Apesar da presença da televisão, meus pais ainda tiveram tempo para fazer mais um.
Em casa, era sempre a matriarca da Família Buscapé que falava mais alto. Literalmente. Tão alto que fiquei traumatizada e aprendi a falar baixinho. Vivia gritando conosco, mas quando ia falar de nós para outras pessoas, erámos os filhos mais inteligentes, mais bonitos, só não dizia que éramos os mais preguiçosos também. Seu estado de espírito era uma coisa que mudava constantemente. Ora ela estava sorrindo, cantando, assoviando... ora reclamando da vida. E como reclamava! Era a dor na coluna, a casa bagunçada, o comodismo do esposo ou a ausência dos filhos. Um dia cheguei a pensar que ela criava problemas porque não tinha com o que se preocupar. Depois de muito tempo entendi que ser mãe de seis não é tão simples assim. Acho que só fui compreender isso depois que meu filho nasceu. Parece que praga de mãe pega mesmo. Ela vivia dizendo “quando você tiver os seus filhos você vai entender”. Língua abençoada!
Às vezes nos enchia de orgulho, às vezes nos fazia passar vergonha, mas era tudo por que nos amava demais. Aquela história de que em coração de mãe sempre cabe mais um deve ser verdade. Se minha mãe tivesse um milhão de filhos acho que ainda sobraria amor. Embora ela tenha umas maneiras meio estranhas de demonstrar esse amor. Quando eu era pequena ela me batia com varinha de pessegueiro porque queria que eu fosse uma pessoa descente (prefiro acreditar que isso funcionou). Meus irmãos diriam que ficar acordada a noite toda esperando eles chegarem bêbados da balada, examinar o corpo deles e o carro para ver se ambos tem algum arranhão e depois ficar xingando o resto do final de semana também não é exatamente uma maneira das mais carinhosas de demonstrar amor.  No entanto, quem mais perderia noites e noites de sono ganhando rugas e olheiras, preocupada com os bebês que nunca crescem?  Só mesmo quem ama muito.
Ela aprendeu as duras lições da vida desde cedo e sabe que o mundo dos filhos nem sempre será cor-de-rosa. Essa senhora pode não ser a mãe perfeita dos comerciais de caldo de galinha, mas com todas as suas imperfeições, faz qualquer coisa para ter certeza de que os filhos ficarão bem. 
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sábado, 5 de maio de 2012

Pra que servem os cachorros?


Ilustração do Tiago Silva para o Jornal Correio do Cidadão

Decidimos adotar um cachorro. Quer dizer, meus filhos decidiram e me convenceram disso. Foi-se o tempo em que quando a mãe dizia “não” era “não”. Agora quando ela diz não, na verdade ela está dizendo “filhinhos queridos, usem argumentos fortes para me convencer do contrário”. O problema é que, em determinadas situações, um biquinho e um por favor com as mãozinhas juntas já é suficiente para nos fazer mudar de ideia.
Mas não pensem que foi fácil conseguirem minha autorização para trazerem um cachorro para casa. Fiz uma série de chantagens com eles. Aliás, chantagem não. Mãe não faz chantagem, mãe faz negociações. Estabelecemos um acordo pré-adoção. Eles teriam de fazer umas tarefinhas em casa, entre elas, limpar a sujeira do animal. Outra coisa, descontaria da mesada deles (que já não é grandes coisas) o valor que eu gastaria com ração. Na hora do acordo, tudo parecia tão simples. Concordaram sem pestanejar. Como num casamento em que os casais nem ouvem direito o que o padre está dizendo e vão respondendo “sim”. Ou como naqueles contratos online em que clicamos logo lá no “aceito” sem termos lido uma linha sequer do documento. Agora, que já estão com o cachorro, preciso lembrá-los do nosso acordo todo santo dia.
Adotamos o cachorro. Não sei se adotar é a palavra certa, mas tudo bem. O nome dele é Abner. Ele é uma graça (nunca imaginei que fosse dizer isso!). Super tranquilo! Tranquilo até demais. Como cão de guarda ele já foi reprovado. Apesar do tamanho, ele é que se assusta se o ladrão aparecer. A escolha do Abner não foi por acaso. Minha amiga teve de doá-lo depois de algum tempo cuidando dele com todo carinho. Na casa dela a coisa estava complicada. Ou ela arrumava um novo lar para o cachorro, ou o marido é que teria de arrumar outro cantinho. Sorte que meus filhos conheceram o Abner a tempo de salvar o casamento dela.
Depois de uma semana com o Abner, estava tentando descobrir para que mais servem os cachorros, além de fazer bagunça e sugar as energias dos meus filhos que ficam correndo atrás dele sem motivo. Sozinha, numa noite fria de véspera de feriado, enviei uma mensagem reclamando para o meu namorado que todos tinham me abandonado naquele dia. Ele me respondeu de forma bem direta: “não, você está com o cão”. Senti uma pitada de ciúmes nessa resposta, como se em algum momento eu tivesse dado mais atenção para o cachorro do que para ele. Mas ele tinha razão, o Abner era único que me fazia companhia. Fui até onde o dog estava, olhei para ele e disse “que bom, pelo menos você está aqui!”. Ele me olhou com um olhar irônico, como se dissesse  “e eu por acaso tenho outra escolha?”. Fiquei conversando com ele por algum tempo, embora ele não me desse sinais de que estava achando o papo interessante. Mas pelo menos ele me ouvia. E como os cachorros são atenciosos! Não me interrompeu nenhum instante. Não discordou de mim em nada. Um verdadeiro gentleman! Deixou que eu contasse meus problemas, dissesse como foi o meu dia, falasse mal do chefe, xingasse o prefeito e a presidenta. Nossa conversa foi longe e ele ficou atento o tempo todo.
Sempre ouvi dizer que cachorros são boas companhias, mas achava que era coisa de gente carente, que não suporta ficar sozinha em casa sem ter ninguém para conversar. Agora tenho certeza - das duas coisas!




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