Numa notícia
dizia que ele ouvia rap. Na outra, dizia que ele ouvia funk. Ninguém soube
explicar qual era, de fato, o som que o cara ouvia no celular no início da
manhã, quando foi preso. Também não entendi direito qual foi o motivo de sua
prisão. Se foi o fato dele irritar os policiais ouvindo esse tipo de música
logo cedo, se foi o fato dele estar sem identidade e ter um apelido esquisito, ou
ainda, se foi por terem encontrado munições na casa dele. Talvez pelo fato dele
ter saído da cadeia há poucos dias, acharam que ele deveria voltar.
Mais tarde,
outra notícia afirmava que o que ele ouvia era mesmo rap e que ele foi abordado
porque estava com atitude suspeita (mas não dizia qual atitude suspeita era
essa, talvez a roupa e o jeito de andar) e que, “além disso”, a música que ele estava ouvindo fazia apologia
ao crime. Mas não citaram um trecho da letra, então fiquei sem saber qual crime.
Mas a lei é a lei e, se existe algum artigo que diga que quem ouve música que
faz apologia ao crime deve ser preso, então, cumpra-se.
Os
comentários entusiasmados sobre o caso começaram a aparecer. Diziam “bem feito
para ele que ouve rap, porque se ele estivesse ouvindo sertanejo universitário
não seria abordado”. Pensei que fosse ironia, mas não, a pessoa que disse isso
falou sério. Também disseram que deveriam ser presos todos os que usam blusão
largo de capuz. Interessante essa relação semântica. Ouve rap, então usa blusão
largo de capuz e é bandido. E eu que não sabia que blusão largo de capuz era
roupa de bandido. Parece-me que Carlinhos Cachoeira anda meio fora de moda!
Fiquei
imaginando se a moda pega. Se resolverem sair por aí prendendo todo mundo que
ouve música que faz apologia ao crime, haja espaço na cadeia! Já ouvi várias
vezes que rap é coisa de bandido. Mas, o que dizer do sertanejo
“universitário”? Se é para rotular, para criar estereótipos, então vamos lá: seria, o sertanejo universitário, coisa de playboy que está na faculdade com o
objetivo de torrar o dinheiro do papai? Ou dos que nem entraram na universidade
ainda, mas já se acham PhD? Não concordo com nenhum desses rótulos. Tanto meus
amigos que curtem rap quanto os que curtem sertanejo universitário são honestos
e inteligentes. Mas, se o rap tem letras que fazem apologia ao crime, o
sertanejo universitário também tem (crime não é só roubar e matar). Poderia
escolher qualquer estilo musical e analisar algumas letras. Mas, por birra
pessoal, tomarei como exemplo, o tão venerado sertanejo universitário:
Violência
contra a mulher/cárcere privado: “na muié eu dei um
jeito, corretivo do meu modo/No quarto deixei trancada, quinze dia aprisionada
e com ela não incomodo”. E na mesma música, preconceito/homofobia: “Sistema que fui criado ver dois homem
abraçado pra mim era confusão/Mulher com mulher beijando/Dois homens se
acariciando, meu deus que decepção”. Isso sem falar no assassinato da
Língua Portuguesa!
Adultério: “Falei pra minha patroa/Que a farra é boa e bem comportada [...]
Que pescar que nada/Vou beijar na boca/Ver a mulherada na madrugada/Ficando louca”
Poderíamos ainda citar a apologia ao alcoolismo: “E daí se eu quiser farrear tomar todas num bar, o que
é que tem”, “beber, cair, levantar”, “Eu bebo pra ficar mal”; A vulgarização da mulher (que é o que mais deixa
indignada): “Mulherada rebola, bebe, dança se descontrola/Quer mais
cerveja vai até embaixo/Já mostra o pedaço da sua calcinha/Vem uma cerveja e
elas tão louca”; e outros enunciados
presentes nesses tipos de músicas que podem até não fazer apologia direta ao
crime, mas são um incentivo a ações, no mínimo, imorais.
Se for
aplicar a lei para todos, tanto os que ouvem rap no celular sem fone de ouvido,
quanto os que passam de madrugada em frente às nossas casas ouvindo sertanejo
universitário na mais alta potência (talvez para mostrar que o som do carro é
bom) deveriam ir para a cadeia, se não for apologia ao crime, pelo menos por perturbação
do sossego. Mas, como a polícia da minha querida cidade deve estar ocupada demais cuidando dos assaltos que estão
acontecendo aos montes, infelizmente (ou felizmente, como queiram), não terão
tempo de se preocupar com o tipo de música que os cidadãos ouvem.
Falou tudo e mais um pouco!!!
ResponderExcluirParabéns.