O carro tinha de dar problema justo num dia chuvoso e frio!
Lamentava-se no ponto de ônibus. E o ônibus estava atrasado. Como dizem por aí,
desgraça pouca é bobagem! E continuou por alguns minutos se sentindo a pessoa
mais desgraçada do mundo. São Pedro e São Cristóvão estavam contra ele, só
podia.
Ficou curioso para saber o porquê de o ônibus estar
atrasado, mas não precisou perguntar. Uma senhora que também esperava a
condução começou a contar que agora era assim, depois que construíram “as
casinhas” o ônibus vivia atrasando. Culpou a empresa responsável pelo
transporte e a prefeitura. “onde já se viu, quase dobraram a quantidade de
moradores na região e querem deixar a mesma quantidade de ônibus!”, dizia ela
indignada. Disse também que era impossível conseguir sentar, o ônibus agora
vivia lotado.
A moça que também esperava o ônibus disse que a culpa da
lotação era dos velhos. Ela argumentava que a maioria dos passageiros naquele
horário eram idosos, que não tinham nada que sair cedo de casa lotando o ônibus
e roubando os bancos dos trabalhadores.
Ela não entendia aonde eles iam aquelas hora, já que não trabalhavam.
Achava que os senhores iam jogar truco na praça e olhar as menininhas que
passavam e as senhoras iam bater perna no comércio.
Enfim o ônibus apareceu e quase não cabia mais ninguém.
Realmente estava cheio de idosos, como disse a moça. Conseguir um espaço, mesmo
em pé, foi um sacrifício. Alguns minutos depois já estava se sentindo mais
seguro lá dentro. Distraiu-se ouvindo a conversa dos passageiros. Era um
zum-zum que quase não dava para compreender nada. Tentava entender como algumas
pessoas tem ânimo para falar tanto, mesmo tão cedo, principalmente as mulheres.
E falam alto e riem muito. Nem parece que estão num ônibus lotado e atrasado e
que já enfrentaram frio e chuva antes de entrar no ônibus.
Uma senhora idosa e obesa que estava próximo a ele contava
para sua amiga que sua mãe teve uma nova crise e que confundiu as filhas,
chamando-a pelo nome da irmã que morreu. E contava isso rindo! A outra senhora
dizia que o chuveiro da casa dela estava dando choque e que várias pessoas do
conjunto estavam reclamando, mas era bom para o povo acordar melhor! Dizia
também que era culpa do tal do aquecedor solar que eles colocaram nas casinhas.
Disseram até que era para o Lula vir visitar as casinhas na época da
inauguração porque era muito chique ter aquecedor solar em casas populares.
Fizeram a maior propaganda e agora não funcionava direito. O senhor do outro
lado reclamava que pensou em fazer uma garagem, mas que não tinha espaço no
terreno. “Eles pensam que só porque somos pobres não precisamos de garagem
porque não temos carro mesmo”. Dizia ele em meio a gargalhadas.
Começou a acreditar que a moça do ponto tinha razão. Para
onde esse povo vai tão cedo e num dia como este? Mais uma vez, parece que
ouviram seu questionamento. A primeira senhora disse que precisava atravessar a
cidade para cuidar de três netinhos para sua filha trabalhar. A outra senhora
disse que estava indo fazer exame de sangue, precisava ser em jejum. O
senhorzinho disse que ia “ no postão”, que finalmente sua consulta com o
cardiologista (ou oftalmologista, ele não entendeu direito), tinha saído e
precisava estar lá cedinho, embora não tivesse hora para ser atendido.
No caminho, ouvia várias histórias tristes e engraçadas.
Aliás, não eram engraçadas, eram só tristes. Mas era engraçado ver como eles
contavam. E, se eles riam, devia ser
engraçado. Não, não era. Eles é que estavam anestesiados e acostumados com as
dificuldades da vida. Então, talvez estivessem usando aquele velho bordão
“vamos rir para não chorar”. E o ônibus chegou onde ele precisava descer. Ao
invés de se lamentar porque teria de andar quatro quadras a pé e ainda estava
chuviscando, foi pensando naquelas pessoas que fizeram isso uma vida inteira e
continuam andando na chuva fria e rindo.
Ola também faço parte da BU e vim conhecer seu espaço! Muito lindo parabéns.
ResponderExcluirSucesso Beijinhos
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