Início de noite com chuva e frio. No caminho de casa, vou pensando
como seria bom chegar e encontrar aquela deliciosa sopa de mandioca preparada
pelo meu pai. Mas, lembrei que meu estava há quinhentos quilômetros de distância
e só tinha resto de marmita do almoço em
casa. Então, sem sopa.
Restos de marmita e sopa me fizeram recordar um velho e rico
português que conheci um tempo atrás,numa cidadezinha do interior de São Paulo,
que fazia sopa de marmita. Não se trata de uma tradicional receita portuguesa,
muito pelo contrário. O Sr. Manuel (sim, ele tinha esse nome!) era milionário,
mas era tão miserável que comprava uma marmita para dividir com a esposa no
almoço e o que sobrava ele aproveitava no jantar para fazer sopa. Ficava
horrível aquela gororoba feita de restos de feijão e arroz fervido com água, mas eles estavam acostumados.
Por motivos óbvios, o Sr. Manuel foi apelidado de João
Romão. Para quem não conhece a história de Aluízio de Azevedo, João Romão era
um capitalista explorador (capitalista explorador me parece pleonasmo!) que
enriqueceu a custas dos inquilinos que viviam no seu cortiço. Não que o Sr. Manuel
tivesse um cortiço, ele, na verdade, era dono de quase todas as casas da
cidadezinha que morava e de alguns apartamentos na capital e as casas do Sr. Manuel
nem de longe pareciam o cortiço do João Romão. Mas alguns fatos na vida do dele,
além dele ser português, lembravam o personagem de Aluizio de Azevedo. Principalmente essa ânsia de enriquecer a
qualquer custo. Ele não se cansava de contar que começou a vida com office boy
no banco e chegou a gerente. E, lógico, acumulando bens.
O que eu achava mais estranho no estilo de vida do Sr. Manuel
é que enquanto ele economizava até sabonete, a esposa e a filha faziam questão
de gastar em coisas fúteis. A esposa tinha mania de comprar. Reservou um cômodo
da casa para suas quinquilharias. Coisas que ela comprava e nunca usava.
Comprava simplesmente pelo prazer de comprar. As vizinhas fofoqueiras diziam que
ela comprava escondido do esposo, porque se ele soubesse pediria o divorcio.
Sempre me perguntava quais eram os planos do Sr. Manuel
àquela altura da vida. Por que ele ainda comia sopa de marmita? Viver tão
miseravelmente para deixar tudo para sua única filha torrar depois que ele morresse,
talvez. Como acontece com muitos por aí. A filha era uma espécie de patricinha
intocável que há mais de uma década fazia de conta que estudava para um
concurso da área jurídica que nunca saia. Casou-se com um advogado que tinha
um escritório chique, mas nenhum caso para resolver. Viviam dormindo, os dois.
Olhava para eles e sem querer me lembrava de um verso de um poema de Drumond : “Eta
vida besta, meu Deus!”. Mas havia os que tinham inveja. Não precisar trabalhar
e ter dinheiro a disposição para gastar como quiser é o sonho de muita gente.
De repente me percebi tão revoltada com minhas lembranças do Sr. Manuel
e sua sopa de marmita que tive de perguntar a mim mesma por que é que me
incomodava tanto esse fato. Afinal, ele fazia da vida dele o que ele quisesse!
Mas minha indignação nunca me permitiu entender o porquê de algumas acharem
mais importante o acúmulo de bens do que o simples prazer de comer uma sopa de mandioca.