Primeiro dia de aula. Maria nem acreditava que
finalmente tinha conseguido entrar naquela famosa universidade. E no curso de
Direito, como sempre sonhou!
Como todo calouro, andava perdidinha pelos corredores da instituição.
Até que alguém lhe entrega um panfleto: manual de sobrevivência do calouro.
Respirou aliviada. Que bom que agora teria algumas dicas de como agir dentro da
universidade. Nada melhor do que contar com a ajuda de quem já está lá dentro
há mais tempo. Antes mesmo de olhar para o papel ficou orgulhosa da sua turma
de veteranos (que nem conhecia ainda) pela iniciativa.
Mas, ao bater o olho na capa do material já ficou decepcionada e bastou
uma folheada para que seu orgulho se
transformasse em vergonha alheia. Entre os absurdos que estava lendo, encontrou
a afirmação de que a garota tem “obrigação de dar”. Como assim? Maria ficou
indignada. Ela tinha essa capacidade de se indignar quando se deparava com algo
que acreditava ser injusto. Talvez esse tenha sido um dos motivos que a levou a
escolher aquele curso. Quem sabe estivesse muito “ por fora”, muito
ultrapassada, mas não conseguia parar de pensar que quem elaborou o tal do
material não tinha nada a ver com a imagem de estudantes de Direito que
esperava encontrar.
Estava se sentindo um objeto. Então era assim que os universitários viam
as mulheres! Seu sentimento de raiva foi pior do que quando tentou argumentar
com a tia que a frase “atrás de todo grande homem existe uma grande mulher” era
preconceituosa e a tia não via nada de preconceito nisso. Estava mais revoltada
do que aquela vez na igreja quando ouviu o representante da pastoral familiar
dizer que para um casamento dar certo, a mulher deve obedecer ao homem. Quanta
evolução! Será que teremos de queimar sutiãs em praça pública novamente? Pensava
Maria.
Aquele folheto ia contra tudo o que acreditava e tudo o que defendia. Frustrada, foi
conversar com algumas pessoas que pareciam sensatas, e ouvia sempre a mesma coisa:
“relaxa caloura, é só uma brincadeira!”.
Ficou tão desanimada que pensou até em mudar de
universidade. Mas, alguns dias depois, viu na imprensa que em outra famosa
universidade, coincidentemente alunos do seu curso, faziam um ritual idiota, no
qual as calouras tinham de afirmar que eram vagabundas e desfilar mostrando
seus corpos para a alegria dos veteranos. Mais uma vez, indignação total.
Ficava mais revoltada quando ouvia seus colegas de turma repetirem: “é só uma brincadeira”.
O comentário de um leitor em uma das notícias que leu
dizia, tentando defender os estudantes, que não se pode levar a sério, “eles
são muito imaturos, são crianças ainda”. A maturidade está cada vez mais
atrasada nesse país. Maria lembrou que ouviu a mesma coisa uma vez quando
alguns jovens “bem criados” atearam fogo em um índio: “eles são apenas
crianças”.
Quando desabafou para uma amiga sobre sua decepção com os
últimos acontecimentos, a amiga a aconselhou a desistir do curso e fazer engenharia
numa cidadezinha no interior do Paraná. “Amiga, aqui não tem nenhum ritual
imbecil, nenhum manual idiota e as calouras são respeitadas. E até tem uma
faixona amarela na entrada da universidade que diz que trote é proibido. A
única coisa machista que eu presenciei aqui foi ir para a balada e ser obrigada a ouvir as
letras de algumas músicas chamadas de sertanejo universitário que detonam com
as mulheres e muitas delas nem percebem.”
Maria respondeu com a frase de uma música de uma de suas
bandas favoritas: eu não vim até aqui pra desistir agora!
Nenhum comentário:
Postar um comentário