quinta-feira, 26 de abril de 2012

Maria não é vagabunda


Primeiro dia de aula. Maria nem acreditava que finalmente tinha conseguido entrar naquela famosa universidade. E no curso de Direito, como sempre sonhou!
Como todo calouro, andava perdidinha pelos corredores da instituição. Até que alguém lhe entrega um panfleto: manual de sobrevivência do calouro. Respirou aliviada. Que bom que agora teria algumas dicas de como agir dentro da universidade. Nada melhor do que contar com a ajuda de quem já está lá dentro há mais tempo. Antes mesmo de olhar para o papel ficou orgulhosa da sua turma de veteranos (que nem conhecia ainda) pela iniciativa.
Mas, ao bater o olho na capa do material já ficou decepcionada e bastou uma folheada  para que seu orgulho se transformasse em vergonha alheia. Entre os absurdos que estava lendo, encontrou a afirmação de que a garota tem “obrigação de dar”. Como assim? Maria ficou indignada. Ela tinha essa capacidade de se indignar quando se deparava com algo que acreditava ser injusto. Talvez esse tenha sido um dos motivos que a levou a escolher aquele curso. Quem sabe estivesse muito “ por fora”, muito ultrapassada, mas não conseguia parar de pensar que quem elaborou o tal do material não tinha nada a ver com a imagem de estudantes de Direito que esperava encontrar. 
Estava se sentindo um objeto. Então era assim que os universitários viam as mulheres! Seu sentimento de raiva foi pior do que quando tentou argumentar com a tia que a frase “atrás de todo grande homem existe uma grande mulher” era preconceituosa e a tia não via nada de preconceito nisso. Estava mais revoltada do que aquela vez na igreja quando ouviu o representante da pastoral familiar dizer que para um casamento dar certo, a mulher deve obedecer ao homem. Quanta evolução! Será que teremos de queimar sutiãs em praça pública novamente? Pensava Maria.
Aquele folheto ia contra tudo o que acreditava e tudo o que defendia. Frustrada, foi conversar com algumas pessoas que pareciam sensatas, e ouvia sempre a mesma coisa: “relaxa caloura, é só uma brincadeira!”. 
Ficou tão desanimada que pensou até em mudar de universidade. Mas, alguns dias depois, viu na imprensa que em outra famosa universidade, coincidentemente alunos do seu curso, faziam um ritual idiota, no qual as calouras tinham de afirmar que eram vagabundas e desfilar mostrando seus corpos para a alegria dos veteranos. Mais uma vez, indignação total. Ficava mais revoltada quando ouvia seus colegas de turma repetirem: “é só uma brincadeira”.
O comentário de um leitor em uma das notícias que leu dizia, tentando defender os estudantes, que não se pode levar a sério, “eles são muito imaturos, são crianças ainda”. A maturidade está cada vez mais atrasada nesse país. Maria lembrou que ouviu a mesma coisa uma vez quando alguns jovens “bem criados” atearam fogo em um índio: “eles são apenas crianças”.
Quando desabafou para uma amiga sobre sua decepção com os últimos acontecimentos, a amiga a aconselhou a desistir do curso e fazer engenharia numa cidadezinha no interior do Paraná. “Amiga, aqui não tem nenhum ritual imbecil, nenhum manual idiota e as calouras são respeitadas. E até tem uma faixona amarela na entrada da universidade que diz que trote é proibido. A única coisa machista que eu presenciei aqui  foi ir para a balada e ser obrigada a ouvir as letras de algumas músicas chamadas de sertanejo universitário que detonam com as mulheres e muitas delas nem percebem.”
Maria respondeu com a frase de uma música de uma de suas bandas favoritas: eu não vim até aqui pra desistir agora!

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