Quando percebi, estava reclamando para o segundo
desconhecido do quanto estava cansada e do quanto era penoso ficar trabalhando
de cedo à noite, sem jantar e sem tomar banho, e que nem era pra eu estar lá, e
que ninguém nem se lembrou de agradecer, e que... Parei de falar quando me dei
conta de que nem eu mesma estava aguentando ouvir minha própria voz.
A palestra estava para começar e, pelo menos, o tema parecia
interessante. Fizeram questão de me avisar que a palestrante era quase uma
pós-doutora. Não sei foi para deixar bem claro o distanciamento que existe entre
nós, pobres mortais, e ela, ou se era uma espécie de aviso para ficarmos
atentos, pois uma quase pós-doutora poderia ter exigências bastante
específicas. Lembrei –me de uma celebridade, num outro evento, que na última hora resolveu pedir que
providenciássemos algodão cor-de-rosa. Claro. Tão fácil conseguir algodão
cor-de-rosa no início da noite!
Mas a palestrante quase pós-doutora foi muito simpática e
não exigiu quase nada. Só pediu uma cadeira para se sentar. Achei estranho. Estamos acostumados com
palestrante que falam com a voz e com o corpo. Que andam, mexem os braços, se
aproximam da plateia... Assistir a uma
palestra onde o palestrante fala sentado não me deixa muito confortável. Mas,
enfim, vai que ela tem algum problema de saúde, pensei.
Ela pediu para usar o projetor multimídia, mas trazia uma
pilha de papel, que colocou sobre a mesinha do lado da cadeira em que se
sentou. Começou a falar. Com uma voz suave e sempre no mesmo tom, foi lendo, a
princípio, as legendas das imagens do telão. Lindas imagens! Fiquei encantada.
Mas, terminando as imagens, ela pegou a pilha de papel e começou a ler, página
por página. Começou a leitura assim: “no bairro onde eu moro...”. A princípio
pensei que se tratasse de uma crônica ou de um conto. Mas não. Era a palestra!
Eram as experiências da palestrante numa folha de papel narrada em primeira
pessoa. Olhei para o lado, alguns amigos com uma cara de “sério que ela vai ler
tudo aquilo?”. E ela continuou.
Aquela voz de contadora de história juntou-se ao meu cansaço
e não deu outra: cochilei. Fiquei lutando com Morfeu. Ora, ouvia a palestrante
lendo suas experiências, ora trechos de poemas de Drumond, ora trechos de
romance de Jorge Amado... De repente já estava ouvindo professora que me
esculachou no corredor por causa da greve (como se a culpada fosse eu!) e o meu
filho reclamando porque eu não parava mais em casa. Não sei o que foi real e o
que foi sonho. Acho que os trechos dos romances de Jorge Amado ela realmente
leu.
Devo ter acordado no final quando começaram a fazer
perguntas e ela respondeu sem ler. Descobri que ela era muito inteligente e
sabia ser espontânea quando queria. E tinha um sorriso muito bonito!
Ao final, alguém comentou que a palestra foi maravilhosa.
Devo estar ficando velha e chata mesmo. Saí de lá com uma dúvida cruel: será
que só eu dormi?