segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Ficando velha, ficando chata




Quando percebi, estava reclamando para o segundo desconhecido do quanto estava cansada e do quanto era penoso ficar trabalhando de cedo à noite, sem jantar e sem tomar banho, e que nem era pra eu estar lá, e que ninguém nem se lembrou de agradecer, e que... Parei de falar quando me dei conta de que nem eu mesma estava aguentando ouvir minha própria voz.
A palestra estava para começar e, pelo menos, o tema parecia interessante. Fizeram questão de me avisar que a palestrante era quase uma pós-doutora. Não sei foi para deixar bem claro o distanciamento que existe entre nós, pobres mortais, e ela, ou se era uma espécie de aviso para ficarmos atentos, pois uma quase pós-doutora poderia ter exigências bastante específicas. Lembrei –me de uma celebridade, num outro evento, que  na última hora resolveu pedir que providenciássemos algodão cor-de-rosa. Claro. Tão fácil conseguir algodão cor-de-rosa no início da noite!
Mas a palestrante quase pós-doutora foi muito simpática e não exigiu quase nada. Só pediu uma cadeira para se sentar.  Achei estranho. Estamos acostumados com palestrante que falam com a voz e com o corpo. Que andam, mexem os braços, se aproximam da plateia...  Assistir a uma palestra onde o palestrante fala sentado não me deixa muito confortável. Mas, enfim, vai que ela tem algum problema de saúde, pensei.
Ela pediu para usar o projetor multimídia, mas trazia uma pilha de papel, que colocou sobre a mesinha do lado da cadeira em que se sentou. Começou a falar. Com uma voz suave e sempre no mesmo tom, foi lendo, a princípio, as legendas das imagens do telão. Lindas imagens! Fiquei encantada. Mas, terminando as imagens, ela pegou a pilha de papel e começou a ler, página por página. Começou a leitura assim: “no bairro onde eu moro...”. A princípio pensei que se tratasse de uma crônica ou de um conto. Mas não. Era a palestra! Eram as experiências da palestrante numa folha de papel narrada em primeira pessoa. Olhei para o lado, alguns amigos com uma cara de “sério que ela vai ler tudo aquilo?”. E ela continuou.
Aquela voz de contadora de história juntou-se ao meu cansaço e não deu outra: cochilei. Fiquei lutando com Morfeu. Ora, ouvia a palestrante lendo suas experiências, ora trechos de poemas de Drumond, ora trechos de romance de Jorge Amado... De repente já estava ouvindo professora que me esculachou no corredor por causa da greve (como se a culpada fosse eu!) e o meu filho reclamando porque eu não parava mais em casa. Não sei o que foi real e o que foi sonho. Acho que os trechos dos romances de Jorge Amado ela realmente leu.
Devo ter acordado no final quando começaram a fazer perguntas e ela respondeu sem ler. Descobri que ela era muito inteligente e sabia ser espontânea quando queria. E tinha um sorriso muito bonito!
Ao final, alguém comentou que a palestra foi maravilhosa. Devo estar ficando velha e chata mesmo. Saí de lá com uma dúvida cruel: será que só eu dormi? 
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domingo, 19 de agosto de 2012

Aniversário duas vezes ao ano, como?




Atualmente, quando nasce uma criança, em alguns lugares é possível fazer a certidão de nascimento já na maternidade. Mas nem sempre foi tão fácil assim “registrar” uma pessoa. Houve um tempo – não muito distante – em que os pais demoravam meses ou até mesmo anos para fazer a certidão de nascimento dos filhos. O agravante dessa demora não era apenas o fato da criança não existir oficialmente. O problema é que até pouco tempo atrás, os pais que atrasavam para registrar seus filhos tinham de pagar multa pelo atraso. Então, para se livrarem da multa, mentiam sobre a data de nascimento do filho.
É comum encontrarmos entre os mais antigos (não tão antigos assim) pessoas cuja data de nascimento real não coincide com a data de nascimento que consta na certidão. Já ouvi muitas histórias de amigos que têm esse probleminha e ficam confusos com a data do próprio aniversário. Na certidão de batismo consta uma data, na certidão de nascimento outra e, em alguns casos, os pais ainda dizem que é uma terceira.  O lado bom disso é que podem comemorar o aniversário mais de uma vez ao ano.
Sempre que chega o mês de agosto me lembro dessas histórias porque esse mês me deixa confusa também.  No início da segunda quinzena começo a receber parabéns. Aí me lembro de que todos meus documentos dizem que meu aniversário é em agosto. Mas meu pai e minha mãe juram de pés juntos que nasci em março. Como sou da geração pós-multa e de uma época em que as coisas já estavam um pouco mais fáceis (já tinha jipe para ir à cidade) minha história não é a mesma das pessoas que mentiram para não pagar multa. Segundo meu pai, eu fui registrada com a data certa. Mas logo minha certidão desapareceu e ele precisou providenciar uma segunda via. A segunda via saiu com a data errada. Só fomos perceber isso quando precisei fazer a identidade. Aí ficou tudo errado. Pelo menos meu nome está certo. Porque já ouvi cada história de pais que chegavam ao cartório e, além de mentir a data de nascimento, confundiam o nome dos filhos.
Antes eu perdia um tempão dando explicações sobre as minhas datas de nascimento. Agora comemoro meu aniversário duas vezes ao ano: em março com a família e em agosto com os amigos do trabalho e com outras pessoas que por algum motivo tiveram de consultar meus documentos. O lado triste disso (só comecei a me incomodar com depois dos trinta) é sermos lembrados duas vezes por ano que estamos envelhecendo. 
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segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Enfim, fim de férias


Logo nos primeiros dias das férias escolares, todas as manhãs, antes mesmo das oito horas, lá estava o filho do vizinho berrando no portão, chamando meu filho. Não contente em me acordar, ficavam o resto do dia virando a casa de cabeças para o ar e apostando quem me irritava mais.
No terceiro dia já estava com minha paciência esgotada. Quando ouvi o grito do menino, levantei rápido, abri porta com força e gritei “cai fora daqui, piá chato!”. Meu filho, que estava do meu lado, olhou para mim espantado. “Não precisava ter falado com ele daquele jeito”, disse com uma voz de medo e vergonha. “E você fica quieto, senão vai ficar de castigo”. Respondi tentando lembrá-lo da minha autoridade de mãe. Castigo é quase uma palavra mágica. Ela quase sempre põe fim entre uma discussão entre mãe e filho. Quase. “Mas eu não fiz nada”, retrucou com ares de injustiçado. E saiu resmungando algo que não entendi direito, mas parecia ter dito que eu era muito chata.
Não disse mais nada. Só olhei para ele com aquele olhar de que seja o que for, mãe sempre tem razão. Aprendi essa verdade inquestionável com a minha mãe. Lembrei-me de quando ela vivia expulsando minhas amigas que iam me chamar para brincar. Passei tanta vergonha que prometi para mim mesma que quando fosse mãe não ia fazer isso com meus filhos. Mas, o tempo passou e agora eu estava na posição inversa. E aquele menino não tinha nada que ficar me enchendo antes do café da manhã.
Talvez tenha exagerado um pouquinho. Depois fiquei pensando que o menino poderia ficar traumatizado. São tantas coisas que psicólogos e pedagogos colocam nas nossas cabeças! Fiquei até com medo do pai dele me processar. Na época da minha mãe, ela chamava minhas amigas de tudo quanto é nome feio e ficava com a consciência tranquila, mas os tempos são outros. Pensei em falar com o menino. Dizer que ele podia voltar no dia seguinte, mas não tão cedo. Porém, o moleque não apareceu mais naquele dia.
Fui dormir aliviada achando que não acordaria com os gritos dele. Mas, aquela mente vingativa teve tempo de sobra para elaborar um plano maligno contra mim. Reuniu todos os meninos da vizinhança e os convenceu a acordarem cedo e fazer companhia a ele. Não, eles não foram chamar o meu filho. Foi bem pior. Era pouco mais de sete horas, quando acordo com um barulho infernal. Era um tec-tec-tec-tec irritante em frente à minha casa em meio a conversinhas e risinhos de moleques. Abri a Janela para espiar. Tinha uma meia dúzia de meninos. Cada um com um objeto pendurado na mão. Duas bolinhas unidas por um cordão que batiam uma na outra produzindo aquele som azucrinante.
Resolvi permitir que todos jogassem videogame na minha casa. Desde que mantivessem aquele brinquedinho esquecido pelo resto das férias. Mesmo assim, algumas vezes ainda cheguei a pedir, educadamente, para não traumatizar ninguém, que enfiassem aquela porcaria no lugar onde o sol não bate, senão eu ia fazê-los engolir aquelas bolinhas sem direito à agua.
Para a felicidade das mães,  as férias de julho duram pouco. E nos últimos dias de férias não me lembro de ter ouvido ninguém usando o tal brinquedo. Não sei se esqueceram das bolinhas ou se eu estava tão preoocupada com meus problemas sentimentais, políticos, sociais, trabalhistas... que não me deixei afetar pelo barulhinho chato.

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